Da Antiguidade ao tempo presente, encontramos entre os objetos da infância, aqueles relacionados com o universo da guerra. Crianças, principalmente os meninos, reinventam mitos e aventuras de conquista em animadas lutas imaginárias, com suas miniaturas de guerreiros ou se vestindo como tais, incorporando personagens a levantarem armas de brinquedo nas mãos. No território lúdico dessa fantasia – que realimenta o imaginário da violência e o seu exercício na cultura patriarcal – um exército combatia outro: quando invadido pelas tropas do mais forte, ou do mais esperto, algum canto do quintal era assim dominado pela força armada. Hoje, novos jogos entram em cena, desta vez não mais nos quintais da infância, mas sim pelas telas eletrônicas: a antiga brincadeira é agora ainda mais realista, em imagens surpreendentes; a violência ainda como diversão, em cores e gestos muito vivos…

Green Army Men, do filme Toy Story 2 (Disney / Pixar): soldados armados em miniaturas de plástico. Brinquedo na instalação WAR & NATIONS. Imagem: © Silvio Luiz Cordeiro.
Na paisagem urbana de antigas cidades, remanescem testemunhos de guerras havidas. Cidades invadidas. Cidades bombardeadas. Ruínas. Nas telas eletrônicas telemáticas, imagens ilustram notícias recorrentes de violência extrema… Violência tão habitual ao olhar contemporâneo. Na Antiguidade, atos de destruição total eram muito comuns, por exemplo de tantas cidades arrasadas, como atestam as fontes, tanto arqueológicas, quanto textuais e visuais, inclusive pelos mitos conhecidos. No presente, cenas de ataques reiteram a continuidade de uma guerra, enquanto outras revelam o início de um novo conflito armado. Cenas apropriadas ao espetáculo midiático transmitido via internet, pelas redes sociais, via satélite, nos telejornais.

Elmo coríntio (c. VII a.C.) do acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Pelas dimensões deste exemplar, possivelmente pertencera a um jovem hoplita. Desde cedo, os meninos conviviam com a perspectiva da luta armada, na defesa de sua comunidade e território diante da realidade da guerra. Imagem: © Silvio Luiz Cordeiro.
Dos mitos aos artefatos arqueológicos, das ruínas de antigas paisagens urbanas devastadas à crônica televisiva de hoje, vemos como a guerra acompanha a marcha civilizatória.
A cada ano, estreiam nas salas de cinema muitos filmes que exploram a guerra como tema principal, em narrativas de entretenimento. Poucos, todavia, refletem sobre ela: a guerra como instituição das sociedades. Na grande nação capitalista, os produtores audiovisuais cedo compreenderam o poder de influência cultural operado pelo cinema na cultura. Esta indústria cinematográfica constituída, produz e difunde narrativas que infundem no imaginário popular o poderio tecnológico militar. Produtos audiovisuais exibidos em profusão pelo mundo, atuam sob a “arte de entreter“, pelo poder da imagem como insidioso instrumento do establishment; e as narrativas audiovisuais (inclusive sob a forma de videogame) exercem a propaganda ideológica dessa nação teo-militar-capitalista difundida nas telas pelo mundo. Tais produtos culturais revelam e reiteram o culto das armas na cultura desta sociedade.
Das cinzas da II Guerra Mundial, dirigentes de diversos países, então reunidos, estabeleceram uma nova organização, no lugar da Liga antes constituída. As principais nações entre aquelas aliadas, vencedoras da Grande Guerra, tomaram assento permanente no Conselho de Segurança instaurado. Décadas depois, a imagem da velha ordem permanece em seu lugar… Sob o discurso legítimo e preciso de condenar os atos de guerra, fatores econômicos no cálculo geopolítico, sobremodo permeiam as decisões entre os principais integrantes desse Conselho; e a paz é apenas uma variável da equação hipócrita sob um mundo submetido pelo capitalismo, por isso nem sempre é a resultante esperada.
Enquanto isso, entre tantas e frequentes guerras em curso no mundo, pessoas procuram refúgio fora dos territórios atingidos e migram. Muitas são expulsas. Muitas mais morrem, no absurdo da violenta destruição, a devastar lugares e vidas. Os conflitos propagados hoje, espetacularmente exibidos nas redes telemáticas, revelam mais que armas e dispositivos de alta tecnologia da indústria bélica, representada e difundida pela indústria audiovisual; revelam a permanência desta instituição, tão arraigada nas sociedades humanas no tempo. Assim vemos, na paisagem de antigas cidades, palco de outras guerras no passado, o embate entre forças a devastar vidas, destruir lugares e memórias ao (re)escrever, no presente, outro capítulo desta ancestral prática das civilizações na história.
Silvio Luiz Cordeiro
Transver, 2016