A memória de um povo inteiro se representa no território vivo do velho corpo, na pele, no gesto. As mãos ainda cultivam antigas sementes, nas roças ancestrais, envoltas pela cultura da indústria. Assim, germinam em terra contaminada. Mas elas resistem, lutam, enfrentam o porvir incerto, que não se avista. Da janela aberta, olha-se a estrutura do sistema, ali materializada em silos, armazenando espécie exógena, de colheitas venenosas vendidas aqui e aos mercados de fora.
Na vastidão das terras usurpadas, nada resta da paisagem anterior. Vistos à beira da estrada, equipamentos modernos, nomes de lugares, em línguas distintas, indicam histórias de dominações variadas, seculares e progressivas. Mas não se deixe enganar, nem tudo se apagou: essa terra imensa, está impregnada da memória de grandes famílias que lá habitaram e habitam, da memória dos parentes mortos, há muito tempo, e hoje ainda. Muitos assassinados, todos eles ritualmente ali sepultados, na mesma terra vermelha em que nasceram.
Em outra superfície, marcas, palavras, manchas que assombram. Vejam-nas em alegoria da violência, sofrida por essa gente que acreditou, no tempo remoto, no tempo recente, em promessas vazias daqueles que empreenderam o progresso pelas conquistas.
Silvio Luiz Cordeiro
Transver, 2017