Nos séculos sucessivos após a queda do Império, adaptações e intervenções diversas no ambiente construído transformaram Roma. Contudo, certas estruturas do passado permanecem na paisagem urbana do presente. O testemunho da cidade — de modo exemplar e muito evidente — lembra-nos, essencialmente, que a paisagem nunca se resolve numa forma definitiva: a sociedade que nela habita atua, dia a dia, por suprimir, sobrepor, renovar o que antes havia. No tempo em que a vida urbana decaíra, sem o poder que antes atuava para manter a ordem e a manutenção física dos diversos corpos edificados, os séculos atravessaram a antiga cidade monumental, desintegrando-a lentamente. Outra sociedade nasceria das ruínas do que foi a capital do vasto império, então dividido.
Muitos daqueles que ali ainda moravam aproveitaram velhas estruturas, seja desmantelando-as para uso dos membros como matéria-prima em novas construções, seja adaptando-as em reformas para outros usos, por exemplo de habitações. Neste processo, redesenhava-se a forma urbana, a exemplo das tantas vias que foram abertas por entre as ruínas, quando outra mobilidade se inscreveu na cidade, conforme os novos percursos rompiam a ordem do tecido urbano antigo. Na paisagem contemporânea, o core da Roma Imperial — o Campus Martius — revela-se não apenas pela arquitetura remanescente da Antiguidade, mas também pela forma que volumes posteriores esclarecem: os edifícios que definem a Piazza Navona rememoram o Estádio de Domiciano, que assim permanece inscrito na paisagem: ao se ingressar no recinto aberto, percebe-se no lugar, pela linha envolvente formada pelas fachadas, o circuito aberto do grande estádio, inaugurado em 86 d.C. por aquele imperador romano.
As respectivas construções da piazza foram erigidas sobre bases romanas, ainda existentes, cada qual com a sua história própria, a exemplo da monumental igreja barroca de Sant’Agnese in Agone e o Palazzo Pamphilj contíguo, onde se instalara em 1920 a Embaixada do Brasil. No século XV, membros da família Pamphilj, originários da pequena Gubbio, mudaram-se para Roma e ascenderam socialmente. A família incorporou e adquiriu casas que ocupavam parte do antigo estádio: no século XVII, sob Giovanni Battista Pamphilj, então Papa Inocêncio X (1644), a grande residência familiar foi ampliada e, pouco depois, no local da igreja medieval anterior, iniciava-se a construção do novo templo barroco (1651). Em 1960, o Palazzo Pamphilj é comprado e reformado pelo Governo do Brasil.
Na Idade Média, enquanto velhas estruturas abrigavam casarios, incrustados por entre as ruínas, outras mais foram completamente desmanteladas, pelos sucessivos atos destrutivos, em grande parte anônimos: pouco a pouco, a antiga paisagem foi sendo transformada, ao longo dos séculos. Ao desintegra-la, tais rupturas configuravam, a cada intervenção, outros espaços para servir às demandas da sociedade que ali habita, aproveitando-se da antiga forma urbana, todavia, instaurando sobre ela, uma nova realidade construída no tempo.
Contudo, entre os vestígios arquitetônicos da antiga Roma, uma construção resistiu ao tempo. Nesta área da cidade, próximo à Piazza Navona, o antigo templo erigido sob Adriano (c. 126 d.C.) no local onde antes havia o edifício levantado por Agrippa (27 a.C., sob Augusto), revela-se em sua monumentalidade — o Pantheon — obra arquitetônica excepcional, permanece vivo no tecido urbano, como lugar de culto.
Da paisagem contemporânea de Roma aqui exemplificada, duas situações significativas: a transformação e a permanência. No contraste de tempos, pela presença de antigas formas junto às demais de épocas distintas, a dimensão histórica desta paisagem impressiona o olhar do viajante. O patrimônio reconhecido em sua relevância, evidencia a intensidade da vida urbana de uma sociedade que, no passado, constituiu naquele território uma das maiores cidades do mundo antigo, imagem do poderio e da cultura de uma civilização inscrita nos volumes e vestígios em ruínas que ainda compõem Roma.
Silvio Luiz Cordeiro
Transver, 2014