Entrevista

TRANSVER publica entrevista de Vrbano Lvpo com Silvio Cordeiro. Falam sobre experiências audiovisuais no universo da arqueologia, entre elas, a produção do vídeo Siracusa Cidade Antiga.

VL: Acompanhei a primeira edição da mostra audiovisual que você dirige (MAIA) e assisti ao seu vídeo sobre Siracusa. Logo no início ouvimos a conversa da equipe que viajou com você, aliás, a equipe que você treinou para poder produzir o documentário. E então surge uma tela azul, que abre a partir de um toque. Suas mãos aparecem, sugerindo pelo movimento que todos estão em volta desta tela, conversando. Como essa ideia apareceu?

SC: Ela veio antes da própria viagem, mas ainda como possibilidade, entre outras tantas ideias que tive. De todo modo, foi ela que ficou! Minha ideia, na verdade, era conceber um dispositivo remissivo. Veja se fica claro para você. Um vídeo ou filme, obviamente, é exibido numa tela; seja projetado naquela do cinema, na tela da TV, do computador, ou do seu próprio telefone: é através deste suporte que então a narrativa audiovisual se mostra. E é por essa tela que, seja qual for, vemos então surgir esta tela azul. Ela, por sua vez, é como uma tela de edição, sensível ao toque, tão comum nos dispositivos eletrônicos de hoje. O azul também remete à técnica de recorte por cor (chroma key). Azul é a cor do Mar Jônio que vimos, impressionante… De Portugal, José Couto certa vez me perguntou se as mãos seriam uma referência poética à arte rupestre, pois, ao vê-las, ele se lembrou daquelas antigas imagens, as mãos impressas na pedra. Achei essa observação super bem-vinda! Veja como surge também essa ressonância imagética na percepção das pessoas!

Desenhos de estudo para o código do gestual das mãos sobre a tela azul. Imagens: Silvio Luiz Cordeiro.

Desenhos de estudo para o código do gestual das mãos sobre a tela azul. Imagens: Silvio Luiz Cordeiro.

VL: Compreendo. Mas e a conversa…

SC: Eu gravei em estúdio, um ano após a viagem. Na verdade foram duas gravações, para dar conta do assunto. A proposta é que a equipe lembrasse da viagem a partir das fotografias do Wagner Souza e Silva, que apareciam na tela. Para isso, eu montei um sistema. Não havia um roteiro prévio, porém eu preparei uma lista dos lugares de Siracusa, aqueles onde estivemos durante a produção; preparei também uma cronologia, apenas para apoio, caso surgisse alguma dúvida nossa durante a conversa. A proposta do vídeo, desde o início, não era apresentar uma síntese da longa história da cidade, nem seguir a sua cronologia, porque o objetivo do vídeo nunca caminhou por essa vertente, aliás, muito comum em vídeos televisivos sobre história e arqueologia. Eu procurei, na verdade, fugir do lugar comum das frequentes abordagens dos temas habituais divulgados sobre a história de Siracusa, como, por exemplo, a cidade de Arquimedes! Por isso, a ideia foi produzir um vídeo a partir dos próprios relatos das pessoas do lugar, de suas vivências naquela cidade de antiga origem.

VL: Junto com os relatos de vocês.

SC: Claro, motivados pelo encontro naquela noite no estúdio.

VL: Noite?

SC: Sim. A primeira gravação dessa conversa com a equipe foi numa noite, porque era complicado gravar durante o dia: o estúdio é dentro da FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP], havia muito ruído, movimento de gente etc.

VL: Então, como foi? Como montou o tal sistema? Quem apareceu na gravação?

SC: A ideia é simples. Com ajuda da Cibele, a minha super assistente na pós-produção desse vídeo, levamos todo o equipamento de gravação, inclusive uma TV minha, de LCD. A Patrícia também ajudou no transporte e na desmontagem. O pessoal do VideoFAU [Laboratório de Vídeo da FAU USP] também deu a maior força, como sempre: além de ceder o próprio estúdio, usamos a luz, outro microfone direcional e uma TV extra, como monitor. Preparamos tudo um dia antes. Pendurei a câmera na vertical, a 90º sobre a minha TV, com a tela virada para cima: uma linha perpendicular imaginária precisava coincidir com o centro da objetiva da câmera e o centro da tela da TV. Dois microfones foram posicionados acima para captarem a conversa em torno à tela. Um computador com as fotografias da viagem de 2007 estava conectado à minha TV: a cada imagem exibida na tela, a gente conversava sobre ela, o momento, enfim, as lembranças da viagem, a história do lugar etc. A câmera estava conectada a um monitor extra, para que eu acompanhasse o resultado da gravação, pois eu variava o plano etc. Grosso modo, o sistema foi esse. Da equipe que viajou, apenas a Daniela não pode ir. Estavam lá naquela noite, além de mim claro, e o Wagner, quem fotografou os preparativos e a gravação, a Lílian, a Patrícia, o Paulo. A Cibele só entrou para a equipe depois, na pós-produção. No estúdio, a função dela era enviar as imagens do computador para a tela, conforme a conversa fluía.

Imagens no estúdio do VideoFAU. Na fotografia à esquerda, Silvio explica ao arqueólogo Paulo de Castro o código do gestual das mãos na tela azul. Nas demais imagens, Silvio verifica a inclinação vertical da câmera, suspendida a 90º acima da TV, posicionada de modo a coincidirem os centros da objetiva e da tela. Imagens: Wagner Souza e Silva.

Imagens no estúdio do VideoFAU. Na fotografia à esquerda, Silvio explica ao arqueólogo Paulo de Castro o código do gestual das mãos na tela azul. Nas demais imagens, Silvio verifica a inclinação vertical da câmera, suspendida a 90º acima da TV, posicionada de modo a coincidirem os centros da objetiva e da tela. Imagens: Wagner Souza e Silva.

VL: Você revela o processo de produção dentro da montagem.

SC: Sim, é isso. Na verdade o processo integra a narrativa, as imagens da equipe durante a gravação inseridas na montagem não é, digamos, simplesmente ilustrativa: ela entra como relato daquele momento. Em todos os vídeos que dirigi isso está presente, mostramos o processo, a gente aparece na tela!

Silvio confere a inclinação da câmera antes do início da gravação no estúdio do VideoFAU. Imagem: Wagner Souza e Silva.

Silvio confere a inclinação da câmera antes do início da gravação no estúdio do VideoFAU. Imagem: Wagner Souza e Silva.

VL: Como naquela cena da Carmela, na casa de campo.

SC: Por exemplo. E ela produz o vinho ali. O bisavô da Carmela comprou a propriedade de uma antiga família nobre siracusana. O lugar é próximo da cidade, ainda em Siracusa, na Targia, que era um feudo.

Um ensaio antes da gravação. Silvio explica à equipe o gestual das mãos para simular a tela sensível ao toque (touchscreen), por exemplo, para se movimentar uma imagem, amplia-la, etc. Em primeiro plano, Cibele envia as fotografais da viagem à tela azul. Em pé, Lílian. Ao fundo, Paulo. No lado direito, Patrícia. Acima, em ambos os lados da câmera, estão posicionados dois microfones. Imagem: Wagner Souza e Silva.

Um ensaio antes da gravação. Silvio explica à equipe o gestual das mãos para simular a tela sensível ao toque (touchscreen), por exemplo, para se movimentar uma imagem, amplia-la etc. Em primeiro plano, Cibele envia as fotografais da viagem à tela azul. Em pé, Lílian. Ao fundo, Paulo. No lado direito, Patrícia. Acima, em ambos os lados da câmera, estão posicionados dois microfones. Imagem: Wagner Souza e Silva.

VL: E a história do tal portalino bizantino!

SC: Veja você a surpresa do achado! Esse relato da Carmela representa muito bem dois fatores muito evidentes na dinâmica da paisagem e do patrimônio de Siracusa. De um lado, a perda, a ausência, seja do que antes existira ali construído, seja do antigo vinho de Moscato, que a tempos não era mais produzido. Por outro, a redescoberta, a permanência. O objeto arquitetônico, encontrado por acaso, era parte de alguma construção, destruída em algum momento da história daquele lugar: em baixo-relevo, vemos a representação da própria uva Moscato e, de forma surpreendente, a figura de Baco! A presença daquele artefato, encontrado justamente durante a preparação da terra para o plantio das videiras de Moscato, como diz Carmela, foi um sinal promissor! Estas imagens esculpidas no portalino atuam como documento, sua presença recupera a história daquele sítio na paisagem. Um artefato super significativo, inclusive pela metáfora do portal!

Ligado o sistema, a equipe está pronta para a gravação. Apagam-se as luzes do estúdio. No alto à esquerda, Cibele prepara uma imagem para envia-la à tela azul; no centro, o movimento visto num monitor extra para referência, que recebe o sinal da câmera durante a gravação; à direita, a equipe concentra-se para gravar. Acima, um novo ensaio com as luzes apagadas: Lílian toca a tela, Paulo e Patrícia observam. Imagens: Wagner Souza e Silva.

Ligado o sistema, a equipe está pronta para a gravação. Apagam-se as luzes do estúdio. No alto à esquerda, Cibele prepara uma imagem para envia-la à tela azul; no centro, o movimento visto num monitor extra para referência, que recebe o sinal da câmera durante a gravação; à direita, a equipe concentra-se para gravar. Acima, um novo ensaio com as luzes apagadas: Lílian toca a tela, Paulo e Patrícia observam. Imagens: Wagner Souza e Silva.

VL: Impressionante o relato dela. E no vídeo aparecem mais artefatos arqueológicos, um elmo, pontas de lança, um cântaro…

SC: São peças do acervo do MAE, artefatos que selecionei para inserir na montagem da narrativa. Foram gravados bem antes da viagem, ainda como parte do treinamento da equipe, que levou um ano, incluindo até viagens à cidade de Santos. Foram cinco viagens para treinar e ambientar a equipe em situações reais de gravação, em exercícios numa cidade litorânea histórica.

VL: Interessante. Mas e os objetos…

SC: Sim, tiramos da vitrine para leva-los para dentro do vídeo!

VL: Estavam então expostos ao público?

SC: Ainda estão, eu acho. No vídeo, foi um modo de reanima-los.

VL: Como assim?

SC: Nesta situação, isto é, dentro de uma vitrine, eu os chamo por Objetos Mortos. Na verdade, é um conceito que elaboro. Veja: no modo habitual dos museus apresentarem suas coleções, isto é, no modo mais comum de revelarem ao público parte de seu acervo, a vitrine é, de certa forma, uma tela. Porém, na vitrine, pouco se percebe de sua existência física.

VL: Mas a vitrine é uma forma de proteção…

SC: E distanciamento… Claro que há a questão da conservação e segurança dos artefatos etc. Contudo, este modo tão comum de se expor os objetos, na verdade, mata certas essências potenciais que emanam, as possíveis narrativas que neles existem, assim, à espera de serem redescobertas. Pois cada objeto, cada peça ou fragmento, possui uma biografia; e parte significativa dela está registrada na situação física do artefato, na forma como ele chegou até o tempo presente, o tempo que vivenciamos hoje. As marcas de uso, de abandono… Tudo isso conta. Neste sentido, a vitrine distancia ao invés de aproximar.

VL: E qual seria o melhor modo de se expor então?

SC: Não há uma receita pronta. Acredito que ao se estudar cada objeto ou conjunto de objetos selecionados para uma exposição, aí se revelam caminhos narrativos próprios: cada caminho pode ser trilhado enquanto linguagem a se experimentar, para assim contar sua história, mesmo que fragmentária. Inclusive a trajetória desde quando encontrados e levados para dentro da instituição, porque lá dentro muitos fatores agem no objeto: manipulações, curadorias, etc. Há, portanto, uma narrativa em potencial ali abrigada, na presença física destas formas. Tais objetos assim expostos na vitrine estão, frequentemente, apenas identificados por uma legenda pela qual, muitas vezes, só vemos informar o nome, material e alguma datação, geralmente aproximada. Nada disso diz, na verdade, sobre sua essência, sobre a sua história e trajetória, enfim, a biografia. A relação que temos hoje diante estes objetos é outra daqueles que os construíram e fabricaram. Também é outra daqueles que os utilizaram e abandonaram. Por sua vez, é distinta das pessoas, por exemplo dos arqueólogos, que então encontraram estes vestígios originados num tempo passado. E cada temporalidade desta trajetória inscreve-se em contextos diversos, históricos e culturais, de valores cambiantes, de apropriações diversas…

VL: A vitrine habitual, como você diz, ela mata o objeto?

SC: Não apenas ela: o objeto não existe, em seu potencial narrativo, enquanto não vir à baila, enquanto dormir nos arquivos. A vitrine já é um modo de reanima-lo. Contudo, ao se expor, habitualmente, apenas uma face destas peças ou fragmentos, a vitrine deixa de fora todo o potencial narrativo dos objetos. Há muitas outras formas experimentais para revelar tais peças no momento em que são exibidas ao público. A vitrine que encerra os objetos limita esta perspectiva, reduz muito este potencial que emana da existência física dos objetos. Por isso, neste contexto, eu os chamo por Objetos Mortos.

Elmo Coríntio, do acervo do MAE. Estas imagens foram extraídas do vídeo gravado em estúdio dentro do museu. Na fotografia do objeto, a iluminação variável na superfície, o movimento da peça, os diversos planos e enquadramentos, influem na percepção do artefato, desde o seu volume e forma, as marcas de uso, os reparos... A arte pode amplificar o drama que a peça abriga: sua origem foi motivada pelo fato da guerra, seja na defesa da polis, seja na conquista de outra cidade. O elmo conta sobre a afirmação daquela sociedade e cultura, no domínio de territórios, na posse de uma paisagem, na imagem de poder... Imagens: Silvio Luiz Cordeiro.

Elmo Coríntio, do acervo do MAE. Estas imagens foram extraídas do vídeo gravado em estúdio dentro do museu. Na fotografia do objeto, a iluminação variável na superfície, o movimento da peça, os diversos planos e enquadramentos, influem na percepção do artefato, desde o seu volume e forma, as marcas de uso, os reparos… A arte pode amplificar o drama que a peça abriga: sua origem foi motivada pelo fato da guerra, seja na defesa da polis, seja na conquista de outra cidade. O elmo conta sobre a afirmação daquela sociedade e cultura, no domínio de territórios, na posse de uma paisagem, na imagem de poder… Imagens: Silvio Luiz Cordeiro.

VL: Voltando então à narrativa do vídeo, como vocês encontraram aquelas pessoas? Como foi a pré-produção?

SC: Não havia recursos para realizar uma viagem anterior a etapa de produção. Esta parte da pré, quero dizer, ir antes, primeiro para se estudar os lugares, definir as locações, conhecer as pessoas, conseguir autorizações para gravar os sítios, isso tudo aconteceu durante a própria viagem de produção.

VL: Como foi isso então?

SC: Na primeira manhã em Siracusa, muito cedo, dividi a equipe em duas. Eu, Wagner, Elaine e Bia, ambas arqueólogas, coordenadoras do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga, partimos para visitar todas as locações já estudadas antes por mim aqui no Brasil, durante o planejamento da viagem com a Elaine. Ela já conhecia muito bem Siracusa, assim como a Bia. Mas eu precisava muito, daqui, entrar na cidade: a Elaine me ajudou muito, e estudei diversas fontes, mapas etc. Eu me preparei aqui e memorizei Siracusa! Enfim, nesta manhã, as outras pessoas da equipe — a Daniela, Lílian, Patrícia e Paulo — caminharam pela cidade para interagir com as pessoas, principalmente em Ortígia: pedi especialmente para que fossem ao Porto Piccolo, porque eu queria muito gravar uma conversa com pescadores.

VL: Isso funcionou?

SC: Sim, deu tudo certo! Inclusive a sorte de encontrar a Carmela Pupillo: ainda neste primeiro dia, depois de visitarmos o Castelo Eurialo, eu queria chegar à zona rural, entre o promontório da Epipolis e o litoral. Ao estudar as locações, ainda aqui no Brasil, como disse, vi que a terra era cultivada naquela área. Então, descemos do Eurialo até a planície, ao norte das vertentes do promontório. A Bia, quem dirigiu a Van da equipe, disse: — E agora? Onde entramos? Seguimos mais adiante até vermos um pequeno caminho de terra, aberto entre plantações de uva. Ela entrou ali. Não sabíamos onde esse caminho nos levaria, até vermos a Domus Solaciorum da Carmela. E foi ela quem nos recebeu. Pura sorte! No dia seguinte, enquanto a Bia e Elaine solicitavam à superintendência os papéis nos autorizando a entrar, filmar e fotografar os sítios, gravamos aquela conversa no Porto Piccolo com o Giuseppe Bottaro, Corrado Restuccia e o Angelo Bianchino. Foi quando conhecemos o Pippo! Dias depois, ele concordou em nos levar para uma caminhada por Ortígia. Conhecemos também o Pasqualino Papa, conversamos com ele ao lado da Fonte Aretusa.

VL: Quantos dias em Siracusa?

SC: Dez dias. Na volta, eu mergulhei nas imagens, isto é, estudei tudo o que foi gerado na viagem, inclusive as fotografias, não só aquelas do Wagner, mas de toda a equipe. Levou um bom tempo para decupar tudo, até iniciar a montagem da narrativa a partir dos relatos, inclusive da equipe, como disse a você. Foi um processo de imersão criativa e de estudo também. Durante esse tempo, chamei a equipe em alguns momentos para acompanhar a montagem, em reuniões pontuais que incluiu a elaboração de textos relacionados ao vídeo, reunidos depois em livro e encarte que acompanham o documentário, para distribuir a escolas e educadores. Depois de gravar as conversas em estúdio com a equipe, caminhei para o corte final; e então, conclui todos os ajustes de cor, níveis de áudio etc.

VL: Você compôs a trilha musical também.

SC: Sim. E todo o desenho de som, as paisagens sonoras, a ambiência: o áudio do vídeo é em si uma montagem especial. Há uma narrativa que se desenvolve pelos sons, mas também pela ausência de sons, no silêncio.

VL: E com o vídeo pronto…

SC: Difundimos principalmente para o público estudantil. O vídeo, como disse a você, foge do lugar comum, por uma narrativa experimental, pode-se dizer, uma alternativa ao que chega aos estudantes pela tela da TV, produções estrangeiras, sobretudo, muito viciadas na linguagem. Esse contraste ficou ainda mais evidente quando, em 2009, participamos da XX Rassegna Internazionale del Cinema Archeologico na Itália. Viajamos eu, Elaine e Bia até Rovereto, pequena cidade da província de Trento. Pela primeira vez, uma produção brasileira foi selecionada no circuito de festivais europeus em arqueologia. A maior parte das produções exibidas, na verdade, são mais do mesmo, em termos de linguagem audiovisual. Tempos depois, levei adiante a idéia que tive de criar no Brasil uma mostra audiovisual em arqueologia, mas com outro olhar, abrindo a tela para exibir ao público produções distintas das que geralmente são exibidas pelos canais de TV.

VL: Eu percebo muito isso naquelas produções, o vício de linguagem, o lugar comum…

SC: A minha montagem respeita o tempo do relato de cada pessoa. Assistimos então suas impressões, a transitarem pelos tempos de Siracusa. Da memória da pesca e do movimento nos portos. Da II Guerra e das migrações. Das origens de Siracusa e a importância da água. Do poder da pólis simbolizado em imponentes estruturas defensivas, vistas hoje nas ruínas de muros, torres, passagens, túneis. Do achado arqueológico como sinal propiciador à retomada da produção local de um vinho muito antigo e popular. Do teatro grego como espaço vivo na cidade, durante nova encenação de um texto de Sófocles. Do núcleo urbano da fundação grega, no ponto mais elevado de Ortígia, a preservar o simbolismo do lugar consagrado pelo rito fundador de uma nova polis, um novo domínio que se afirma sobre outros anteriores. Das evidências arqueológicas dos primeiros habitantes à chegada dos gregos, do Templo de Atena, depois Duomo, que ressignifica a antiga estrutura arquitetônica grega erigida, preservada e ainda visível. Dos tempos da história em um passeio pelas vias de uma cidade múltipla!

VL: Depois de Siracusa, para onde mais vocês viajaram?

SC: Viajamos para o balneário de Giardini Naxos e de lá, para Taormina. Mas aí já entramos numa outra história! E ela pode ser vista aqui:

Transver, 2012